sábado, 26 de julho de 2008

FRANCISCO ALVES FILHO
As cantoras brasileiras tinham duas alternativas para fazer sucesso no início dos anos 70: ou recheavam o repertório de canções românticas ou seguiam os modismos internacionais. A situação mudou quando Clara Nunes, uma das maiores intérpretes que o País já ouviu, lançou um disco com sambas e outros ritmos genuinamente brasileiros - destacando-se sobretudo a música Ê baiana. Surgia ali um fenômeno musical, uma cantora de voz límpida e emocionada que caiu imediatamente no gosto popular conquistando ao mesmo tempo o reconhecimento da crítica. Detalhe: de baiana, Clara não tinha nada, era mineira de Paraopeba (arredores de Belo Horizonte). Ela cantou como ninguém as divindades do candomblé, até que a morte prematura ocorrida em abril de 1983, aos 39 anos, devido a um choque anafilático numa cirurgia de varizes, interrompeu a sua brilhante trajetória. Vinte e cinco anos depois, a cantora será lembrada em um DVD que a EMI coloca nas lojas no início do mês que vem com clipes que ela gravou para a Rede Globo, principalmente no programa Fantástico. "A procura por imagens de Clara é muito grande, sentimos isso desde o lançamento de uma caixa de CDs há sete anos", diz Luiz Garcia, gerente de marketing da gravadora. O DVD vai reunir 21 musicais com os maiores sucessos e uma entrevista.

Um dos segredos do sucesso de Clara era o seu carisma. "Ela tinha a dramaticidade vocal e a energia cênica que o samba exige", diz Vagner Fernandes, autor da biografia Clara Nunes - guerreira da utopia. Também foi a primeira artista a assumir publicamente a ligação com a religião afro-brasileira: usava quase sempre vestidos brancos rendados, flores nos cabelos e, em muitos clipes, aparece entre velas, atabaques e danças rituais. Jogo de cena? Não. Ela de fato se batizou no candomblé (filha de Iansã e Ogum) e, extremamente mística, não concebia a vida sem a espiritualidade. "Tenho a grande missão de cantar, ninguém vem ao mundo de férias", dizia ela. Segundo o autor de sua biografia, Clara foi a cantora que mais clipes gravou para o Fantástico (quase três dezenas) e, neles, em quase todas as músicas é usado o recurso do play-back. Apesar dessa limitação e da precariedade técnica de então, o conjunto de imagens (entre 1975 e 1982) é precioso não só porque retrata uma época, mas, também, como prova do brilho pessoal de Clara Nunes. Esse brilho ficou patente em seu último sucesso, Morena de Angola, composto por Chico Buarque especialmente para ela.

Em 1960 Clara saia do anonimato quando conquistou o terceiro lugar na finalíssima nacional do concurso A Voz do Ouro ABC, cantando a Serenata do Adeus de Vinícius de Moraes. O salto para a projeção nacional foi em 1965, já no Rio de Janeiro, quando iniciou a longa parceria de 17 anos com a gravadora Odeon.Foi uma grande profissional do disco e uma estrela de primeira grandeza do palco. Em 1972, no Teatro Glauce Rocha, dividiu espetáculos com Vinícius e Toquinho, e com Paulo Gracindo. Como testemunho de sua coragem e de sua dedicação à vida artística, em 1977, Clara Nunes inaugurou seu teatro no Shopping da Gávea, Rio de Janeiro com o espetáculo Canto das 3 Raças. Em 1981 levou milhares de pessoas ao Teatro Clara Nunes, para vê-la no show Clara Mestiça.
Uma desbravadora iluminada
Foi a primeira voz feminina a romper a barreira dos 100 mil discos, uma regra imutável dos corredores das gravadoras que dizia que mulher não vendia discos. Lançou para o sucesso de massa nomes idolatrados do mundo do samba. Gravou Candeia, Nelson Cavaquinho, Monarca, Dona Ivone Lara, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, João Nogueira entre muitos outros da nata dos autores do gênero. Também passeou por outras veredas da música popular brasileira, sempre com resultados brilhantes. Clara deixa um rastro de luz pelo caminho artístico que soube cavar com energia, coragem e fé.


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